TRABALHAR EM FAMÍLIA É COMPLICADO. SERÁ? 

Dra. Maria Paula Fernandes Martins*
Dra. Norma Maria de Souza Fernandes Martins**

Nos últimos tempos, intensificamos nossa conexão com o universo digital, realizando reuniões, compras, participações em lives, tudo de modo virtual, utilizamos o Instagram como nossa vitrine comercial e pessoal, postando fotos com amigos e parentes, bem como com um moderno presente de aniversário.

A internet das coisas nos deu um movimento nunca antes experimentado, seguimos inovando e buscando, cada vez mais, muito no aspecto técnico, trilhando numa sociedade digital. Mas, será que as relações na sua essência foram inovadoras e os problemas continuam os mesmos, com toda essa nova tecnologia à disposição?

Nossas relações familiares dentro do universo corporativo, como andam? Essas são as perguntas cujas respostas vamos refletir neste artigo. Para tanto, é necessária uma breve digressão na origem da palavra família, do latim familia(la), que significa o conjunto das propriedades de alguém, incluindo escravos e parentes; a família vem de famulus(la), que significa escravo doméstico.

Já na frase do empreendedor Alexandre Garcia, fundador do Grupo Algar, de Minas Gerais, em uma entrevista nos anos 80, entende-se “a família é uma coisa e o trabalho é outra, não pode misturar, mas não pode separar também, tem que ser tudo entrosado porque família é família, não é? E o empresário é o empresário”.

Denota-se que já se extrai uma própria complexidade, tanto da definição da origem linguística, como do conceito que nos apropriamos, para pensar na relação da família e trabalho. Mas toda essa complexidade e dificuldade não pode ser uma barreira para que se tenha objeção por trabalhar em família, pois, atualmente, encontramos nas ferramentas próprias de Governança Corporativa, um olhar otimista para o avanço atual, de uma cultura de cumprimento de propósitos, com regras internas, regulamentos, diretrizes, orientações e códigos de condutas, adotadas por organizações familiares, que possuem o objetivo de estabelecer segurança e confiança, inclusive externa, no sentido dos negócios, com viés para crescimento e perenidade de empresas familiares.

Importa ressaltar que, o pensamento apresentado acerca da impossibilidade na desvinculação dessas relações, foi pinçado pelo fundador do Grupo Algar, que atualmente é visto como modelo de sistema de Governança Corporativa Familiar. Destaca-se que a apresentação do conceito, relacionado ao entrosamento de empresa e família, deu-se antes mesmo que o tema Governança Corporativa fizesse parte do cotidiano e pensamento das organizações.

Retira-se o exemplo do citado Grupo, em que, ao incorporar boas práticas de governança familiar e governança corporativa culminou na redução de riscos de conflitos societários e no preparo das futuras gerações para que esteja clarividente as dificuldades do negócio e a perenidade da organização. Nesse cenário, sabe-se que a instituição familiar possui arraigada condução, na maioria das vezes, plasmada na vontade de seu fundador, que imagina, desde a sua constituição, a sucessão dos negócios.

Assim, com o viés de perenidade, é importante que as empresas familiares se atentem ao planejamento administrativo e operacional, tendo como exemplo de mecanismo para tal, as formas de governança corporativa, que acabam se traduzindo em fortalecimento nas conduções aos interesses da organização.

O IBGC2 apresenta a governança corporativa como um “sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre os sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle, bem como demais partes interessadas”. Assim, para se auferir uma estrutura societária, que permita aos fundadores uma visão de garantia da perenidade da organização, modernamente, o Direito também se utiliza do sistema de Governança Corporativa, que, por sua vez, baseia-se como uma arquitetura empresarial, em que se sustenta a estrutura do negócio, vislumbrando-se a holding como ferramenta para continuidade e consolidação de uma empresa familiar.

A maior vantagem que se busca ao instituir uma reestruturação societária, sem dúvidas, é a possibilidade da perenidade da empresa para que as próximas gerações possam tomar a condução por meio de uma gestão preestabelecida, com decisões em reunião de sócios, assembleias e demais protocolos de gestão, abstraindo desse contexto, a maioria dos problemas que a sucessão súbita importaria aos sucessores.

Com o contexto de garantir maior segurança para os negócios da empresa e as consequências positivas à coletividade, principalmente destacadas à geração de emprego e renda, que se justifica a preocupação com a organização das relações entre a família empresária, com vista a efetivar uma melhor gestão e mais concentrada do patrimônio familiar. Em verdade, importa trazer que os mecanismos que apresentam o cenário favorável na relação de empresas familiares não se restringem às grandes corporações e, aplicando-se de forma estratégica, está para todos os tipos de organizações, com aprimoramento e condução profissional técnica.

Assim, do pequeno ao grande empresário, todos podem utilizar esta ferramenta de gestão, desde que reconheçam que as suas condutas gerenciais e os procedimentos permitam a transparência na organização e uma sucessão inclusive patrimonial eficaz.

Sabendo-se da necessidade do aprimoramento, crescimento e perenidade dos negócios familiares, antever situações que podem ser definidas é medida que se faz com rigor. Assim sendo, é plenamente possível que, com ferramentas de Governança Corporativa, a utilização de uma visão expandida, visando abordar questões referentes aos objetivos, valores e princípios que norteiam e guiam a família empresária, sendo não só possível, mas essencial, um novo olhar para mudar a cultura, pois podemos descomplicar o trabalho em família.

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